Carta do Metropolita Filareto À Abadessa Madalena

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rafael.daher
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Carta do Metropolita Filareto À Abadessa Madalena

Post by rafael.daher »

Uma Carta do Metropolita Filareto

À Abadessa Madalena (Condessa Grabbe),
Superiora do Convento de Lesna da França

26 de Novembro/ 9 de Dezembro de 1979

Tradução de Leonardo Florentino

Nota: Apesar desta carta tratar particularmente dos problemas da Igreja Russa no século XX, ela contém valorosas explicações sobre as posições da Igreja Ortodoxa quanto aos que estão fora dela.

Vossa Reverendíssima,

Estou escrevendo esta carta en route – a bordo do navio Orion, cujo destino é a Austrália. Ele é bem grande, 42000 toneladas (quase do tamanho do Titanic) e confortável. Esta manhã, meu companheiro de viagem, protopresbítero Constantino, celebrou a Liturgia em nossa cabine e eu comunguei. Fizemos o mesmo ontem, que foi o dia da apodosis da Festa de Entrada da Santíssima Theotokos, já que no dia correto da Festa ou no seguinte não pudemos celebrar – o navio balançava incessantemente. Mas desde quinta-feira o oceano acalmou-se e agora navegamos tranqüilamente.

Por muito tempo esperei para partilhar alguns de meus pensamentos contigo – sobre temas em que divergimos. É claro que não escrevo a fim de iniciar uma discussão, mas sim para que possamos ter um intercambio de opiniões.

Você deve se lembrar que durante uma de minhas visitas ao convento nós tivemos uma pequena discussão a cerca do fato de o convento receber em suas igrejas aqueles que, em essência, são seguidores, membros do antigo Exarcado, e não da Igreja na Diáspora. E por outro lado, muitos dos nossos filhos espirituais regularmente freqüentam as igrejas parisienses, até se confessando e recebendo a “Comunhão”...

Você argumentou que o convento age de tal maneira com propósitos missionários, a fim de dar às almas errantes a oportunidade de orar e serem santificadas pelos Mistérios de uma verdadeira Igreja Ortodoxa. Mas agora eu lhe digo: talvez possa muito bem ser assim, tanto quanto os emissários do Santo Príncipe Vladimir freqüentaram a Igreja Ortodoxa Grega. No entanto, os emissários do príncipe relataram a ele a beleza da fé ortodoxa, o que levou à sua libertação e a do próprio príncipe, trocando o paganismo pelo cristianismo. Parece-me ainda bem claro que um “trabalho missionário” propriamente dito só existirá no convento quando este permitir que visitem a igreja, deixando que se aproximem dos Mistérios sob a condição de que rejeitem por sua vez os “Mistérios” administrados à “Rue Daru”, ou nas igrejas em geral do Exarcado.

De outro modo, qual será o resultado? Eles irão crer que tudo está muito bem e não há necessidade de mudar ou corrigir coisa alguma. E nós, admitindo-lhes aos Mistérios sem demandar-lhes qualquer integridade ou constância quanto a isto, só confirmamos sua convicção de que está tudo bem e de que seu caminho é o correto.

No Terceiro Sobor de Toda a Diáspora eles começaram a fazer discursos sobre como devemos nos unir com os parisienses e com as falsas autocefalias americanas “em um espírito de amor”. Amor, você vê, deveria nos unir, e não existe necessidade de enfatizar nossas diferenças. Mas este discurso cessou quando citei as palavras de um dos Santos Padres, que seguem: se nós, supostamente em nome do amor, para não incomodar nossos vizinhos, vamos ficar quietos sobre seus erros e não lhes explicar que estão num caminho falso, então isto não é amor, mas ódio! Age certo aquele que vê um cego aproximar-se de um precipício e não o avisa para não “incomodá-lo”? Isto é amor, então?

No último Sobor dos bispos, Vladyka Antônio de Genebra começou a discursar sobre isso... Ele disse: quanto à Paris, lá temos um rebanho em comum (nós e o Exarcado). Ambos igualmente servem o mesmo povo ortodoxo.

Neste momento não consegui me conter e comecei a falar...

Primeiramente, afirmei que realmente existe um lugar em que temos um rebanho em comum com outros ministros da Igreja Ortodoxa. E esse lugar é Boston. Temos nossas paróquias, e o monastério do Arquimandrita Panteleimon que também localiza-se lá. Tendo praticas e Typicon grego. Todos os fiéis lá freqüentam ambas igualmente, já que o monastério está em nossa jurisdição, é absolutamente ortodoxo e possui nosso “espírito” ortodoxo, apesar das diferenças de práticas e do Typicon.

E, dando prosseguimento, ainda digo: mas digam-me, que tipo de “rebanho comum” poderíamos ter com os parisienses, quando seu líder, Arcebispo Jorge, enquanto passava pela nossa Igreja Memorial, em Bruxelas, cospe em sua direção dizendo – “Ugh, o vírus Karlovci!” Isso foi visto e ouvido pelo nosso povo presente no local... Mas o Exarcado cospe não apenas sobre nossas igrejas, mas sobre o Typicon da Igreja e seus cânones. Celebram casamentos aos Sábados ou qualquer dia que se queira – contanto que se pague o combinado. Serviram até um funeral para um judeu não batizado – como nos foi relatado com indignação pelo nosso “Zarubezhniki”. Que tipo de rebanho em comum poderíamos ter aqui? Quando estava servindo em Bruxelas, no Dia do Perdão, uma certa mulher começou a se aproximar do Santo Cálice. Mandei perguntar-lhe se ela havia confessado. “Não”. “Então você não pode receber a Comunhão”. Ela começou a reclamar – dizia que só era necessário uma consciência limpa, e assim por diante... Mas eu não discuti com ela, apenas pensei comigo mesmo: “o contágio do Exarcado”... Pois ela era uma parisiense. Sou acusado de excessiva rigidez e “fanatismo”. Mas eu tenho embasamento suficiente sobre o meu ponto de vista, pois estou amparado por grandes autoridades, tanto passadas como contemporâneas.

Devo começar com as mais antigas. Em primeiro lugar – foi no presente espírito de condescendência para com aqueles que se apartaram que estas palavras foram ditas: “mas se ele negar-se a ouvir a Igreja, tomem-no como um pagão ou um publicano”? Nós sabemos Quem disse essas palavras. Quem então ousará opor-se a Ele?...

Tornemo-nos às grandes autoridades. Aqui temos o hierarca São Gregório o Teólogo, a encarnação da mansidão e do puro amor cristão perante todos, e em particular, perante aqueles que se perderam. No entanto, ele francamente afirma que nem toda paz deve ser prezada e nem toda guerra deve ser temida. “Há uma paz vergonhosa, assim como há uma divisão boa e digna de valor”, diz São Gregório.

O próximo é São Basílio o Grande – um homem mais rigoroso que a maioria. Mas ainda assim, quando era um caso de cisma que havia apenas começado a se formar, este hierarca era favorável a mostrar o máximo de condescendência, para facilitar o retorno dos caídos ao seio da Igreja, tentando de toda maneira que o mínimo de exigências fosse posto como condição para sua volta. Mas o quão drasticamente ele muda de posição quando fala de um cisma prolongado e obstinado. “Tal cisma”, diz São Basílio, “já é em todos os aspectos idêntico à heresia, e deve-se tratar tais cismáticos como se tratam os hereges, não permitindo comunhão alguma com eles”.

Severo e categórico. Mas ainda mais severa e categoricamente ensina a terceira destas grandes autoridades, São João Crisóstomo. É uma pena que não tenho em mãos seus maravilhosos sermões concernentes justamente aos cismáticos. Mas lembro-me deles muito bem e devo me esforçar para transmiti-los o mais precisamente possível.

São João Crisóstomo começa a falar sobre o cisma citando o antigo testemunho de um grande santo, Hieromártir Ignácio da Antioquia. Santo Ignácio diz que não há pior pecado do que aquele que traz divisão à Igreja, e avisa que este pecado é tão grande quem nem mesmo o sangue do martírio pode lavá-lo! Corroborando, São João Crisóstomo diz: "para aqueles que vão indiscriminadamente para todas as igrejas – ambas as nossas e as dos cismáticos. Se eles ensinam diferente de nós - por essa razão não se deve ir a elas. Mas se eles ensinam o mesmo que nós – então mais do que nunca não se deve ir até eles, pois aí está o pecado da ganância por autoridade".

Não foi por esta mesma razão que Eulógio, de lamentável memória, nos deixou e tornou-se um líder cismático, pois não podia agüentar a liderança do Metropolita Antônio? Infelizmente, sim! Bem me lembro como meu falecido padre, Bispo Demétrio, ao retornar [à China] da famosa “conferência dos quatro”, com toda a sua costumeira cautela em fazer comentários, disse com pesar: “não imaginava que um hierarca ortodoxo poderia ser tão insincero quanto este Eulógio, que não me desperta nenhuma vontade de chamá-lo ‘metropolita”. E o Bispo Nestor, que na qualidade de hierarca recebeu as minutas da conferência, e mostrou-as ao Padre Natanael. Elas continham incidentalmente as seguintes palavras do Vladyka Demétrio: “assim como Sua Beatitude Eulógio, hoje, diz tudo ao contrário, de hoje em diante declaro meu total repúdio a ele”...

São João Crisóstomo continua: "Tu disseste, 'Nós somos todos iguais – eles celebram, rezam e ensinam da mesma maneira que nós'. Muito bem – por que então eles não estão conosco? Um Senhor, uma Fé, um Batismo! Eles se apartaram – e nesse caso ou nós ou eles estão no caminho certo!"

O que estas claras e categóricas palavras significam? Elas indicam nada além de que o cisma é privado da Graça. Cristo não fora dividido, e Sua Graça é una. Se alguém acreditar no “estado de graça” do cisma, então deve também admitir que nós não temos a Graça – pois aqueles que se separaram de nós a levaram consigo; ou então devemos admitir que há duas Graças (e obviamente duas verdadeiras Igrejas, pois a Graça só é dada à verdadeira Igreja).

Continuando a expor suas idéias, São João Crisóstomo finalmente chega a uma conclusão – inevitável e incontornável: “Eu categoricamente digo e afirmo que o cisma é tão terrível quanto a heresia”. E a heresia separa a alma humana da Igreja, de Deus – e da salvação.

Aqui estão mais algumas vozes dos tempos antigos. São Pedro de Alexandria viu o salvador em uma túnica rasgada – o Senhor a segurava com Suas mãos. O hierarca tomou coragem e perguntou: “quem rasgou Tuas vestes, Ó Salvador?” E ele lamentou indignado: “Ário, o louco – ele separou minhas ovelhas de Mim, aquelas por quem dei Meu sangue”...

Nas vidas dos santos conta-se que o justo Gregório teve uma revelação. Ele viu o futuro Terrível Julgamento de Cristo. E nesse julgamento o Senhor invocou Ário e ameaçadoramente o perguntou: Não sou eu o Deus-homem Cristo, igual em divindade ao Pai e ao Espírito Santo? Como foi que reduziste Minha divindade ao nível da criação e trouxeste esta assembléia, enganada por ti, (os seguidores de Ário) ao tormento eterno?

O que estas terríveis palavras nos dizem? Que os hereges levam seus seguidores ao tormento eterno! E nós já vimos isso – o cisma é tão terrível quanto a heresia, e obviamente o fim de ambos será o mesmo.Eu não me atrevo a julgar nosso contemporâneo fundador do cisma, Metropolita Eulógio; mas temo por sua alma por todos aqueles que foram enganados por ele e seus sucessores, sendo levados ao cisma.

E eu não consigo esquecer a posição tomada quanto a este assunto pelo falecido Vladyka João – um verdadeiro ministro de Deus, um homem de Deus. Por que ele não colocou “os pingos nos i’s” desde o começo e explicou aos Eulogianos a total falsidade deste caminho? Pois é precisamente por isso, por não estabeleceu-se desde o princípio onde está a verdade e onde está a falsidade, onde é branco e onde é negro, onde há luz e onde há treva, qual caminho é correto e qual é incorreto – então não haveria esta “misturada inter-jurisdicional” e tudo seria claro.

O que nos diz o fato de que muitos dentre os “ortodoxos” freqüentam qualquer igreja indiscriminadamente? Porque estas pessoas simplesmente não guardam a verdade com carinho. E por essa razão não se importam muito com o assunto. “Os serviços são idênticos, tudo é igual – qual é a necessidade de filosofar?” Ou como diria nosso Padre João Storozhev em Harbin (o último pai espiritual da Família Imperial), um dos melhores pastores da Diáspora, com intensa ironia: “o sino bate, o papa celebra, o canto é agradável – o que mais vocês querem?” Ao qual ainda pode ser somado o tão familiar: 'No final das contas, Deus é um só!'"

Se as pessoas amassem a verdade elas se contentariam com tanta indiferença? Não, mil vezes não! Suas almas sofreriam e não descansariam até que descobrissem onde está a verdade, que só pode ser uma – pois duas não podem ser. Quão correto está Vladyka Nectário quando afirma: "não há nada de “jurisdições diferentes”, mas apenas a Igreja Ortodoxa na Diáspora, e fora dela só existem cismas e heresias."
Agora eu devo citar uma autoridade contemporânea, mas que ainda assim é uma autoridade a quem todos nos curvamos. Este, é claro, é o grande “Abba de todos os abbas”, Sua Beatitude Metropolita Antônio [Khrapovitsky].

Vladyka Antônio, quando apresentava à Abadessa Paula os subordinados da mesma, disse a ela: “Seja condescendente com todos, saiba como conversar com aqueles fracos na fé e com os descrentes. Lide sabiamente com os hereges, mas nunca concorde com eles quando disserem que supostamente possuem a Graça do Espírito Santo; saiba que os católicos romanos, os maometanos e todos os outros hereges estão privados da Graça.”

Uma citação de uma encíclica pascal do Vladyka Antônio (1934):

“A época atual não é rica em feitos ascéticos de piedade e confissão de fé, mas em trapaça, mentiras e enganação. É notável como alguns hierarcas e seus rebanhos, em sua maior parte russos, já abandonaram a unidade ecumênica, e à questão: “em que crêes?”, respondem com as mais variadas referências aos auto-proclamados líderes de todos os tipos de heresias em Moscou, América e Europa Ocidental. Está claro que cessaram de crer na unidade da Igreja pelo mundo inteiro mas não querem admitir, tentando calmamente suportar a recusa da Igreja em ter relações com eles, e imaginando que alguém pode supostamente salvar a alma de alguém mesmo sem comunhão com Ela... Aqueles que se separaram Dela, negaram para si mesmos a esperança de salvação, como os Pais do Sexto Concílio Ecumênico ensinaram, reconhecendo os renegados como totalmente desprovidos de Graça, de acordo com a palavra de Cristo: 'mas se ele se negou a ouvir a Igreja, tomem-no como um pagão ou um publicano'".

“Infelizmente, alguns leigos ortodoxos, e até alguns padres (e hierarcas) tem se sujeitado a este estado de privação da Graça, apesar de ainda reterem a aparência externa dos serviços da igreja e da aparente administração dos Mistérios”.

Pondere sobre estas últimas palavras do grande Abba: a aparente administração dos Mistérios... Que horror! Mas estas suas palavras concorrem totalmente com minha convicção quanto à ineficácia e à falta de Graça dos Mistérios cismáticos.

Quando estive no Sobor, citei estas palavras do Vladyka Antônio para amparar minhas convicções, os hierarcas as receberam em silêncio – Vladyka Antônio [de Genebra] igualmente manteve-se quieto. Enquanto isso, Vladyka Filoteu me agradeceu em nome de todo o Sobor pela excepcional explanação.

Paz e que as bênçãos de Deus estejam convosco. Que o Senhor e sua Puríssima Mãe preservem a vós e o Santo Convento na saúde e na prosperidade!

  • Metropolita Filareto
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